Como a Mercedes-Benz virou AMG

Fundação Independente da AMG (1960-1970)
A AMG nasceu como uma preparadora independente dedicada a aprimorar veículos Mercedes-Benz para competições. Fundada em 1º de junho de 1967 por Hans Werner Aufrecht e Erhard Melcher, ex-engenheiros da Mercedes, a empresa começou em uma pequena garagem na cidade de Burgstall. O nome AMG combina as iniciais dos sobrenomes dos sócios (Aufrecht e Melcher) e a inicial da cidade natal de Aufrecht, Großaspach.Desde o início, o foco era entregar pura esportividade e alta performance, transformando modelos Mercedes-Benz em verdadeiros carros de corrida.
No final da década de 1960, a dupla dedicou-se ao desenvolvimento de motores de competição que a própria Mercedes-Benz havia abandonado. Em 1965, após a Mercedes suspender suas atividades de automobilismo, Aufrecht e Melcher decidiram seguir por conta própria, usando seu talento em engenharia para melhorar motores como o do sedã 300 SE. A aposta logo deu resultado: em 1971, a AMG conquistou projeção internacional ao vencer sua categoria nas 24 Horas de Spa com o lendário Mercedes 300 SEL 6.8 AMG (alcunhado de “Red Pig” ou “Porco Vermelho”), um pesado sedã de luxo equipado com um motor V8 de 428 cv – potência extraordinária para a época. Esse triunfo inesperado mostrou ao mundo do que a pequena empresa era capaz e lançou as bases da reputação da AMG nas pistas. Nos anos seguintes, novos feitos em competições ampliaram seu prestígio: por exemplo, um AMG 450 SLC Coupé de corrida venceu um Grande Prêmio em Nürburgring no final da década de 1970, o que atraiu proprietários de modelos Mercedes de rua em busca de preparações de maior potência.
Parceria Inicial com a Mercedes-Benz (Anos 1980 e 1990)
Com o sucesso acumulado nas pistas e nas preparações de rua, a AMG tornou-se uma lenda entre os entusiastas da Mercedes-Benz ainda nos anos 1980. Nessa época, a empresa oferecia kits de performance, motores modificados e visual mais agressivo para sedãs e cupês da marca. Um exemplo emblemático foi o AMG 300 E 5.6 “Hammer” (1986), uma versão altamente modificada do Mercedes Classe E (W124) equipada com um enorme motor V8 de 5.6 litros e cabeçotes de 32 válvulas desenvolvidos pela própria AMG.
Um Mercedes-Benz Classe E preparado pela AMG nos anos 1980 (o lendário “Hammer”) exemplificava a filosofia de colocar motores de alta cilindrada em sedãs discretos, criando alguns dos carros de quatro portas mais rápidos do mundo em sua época. Graças a projetos como esse, a AMG passou a ser reconhecida mundialmente por “enfiar motores enormes em carros nos quais eles não caberiam normalmente” e entregar desempenho brutal a modelos Mercedes.
Essa notoriedade levou a uma aproximação oficial com a Mercedes-Benz. Em 1990, a Daimler-Benz AG (então empresa-mãe da Mercedes-Benz) assinou um contrato de cooperação com a AMG, permitindo que veículos preparados pela AMG fossem vendidos e assistidos na rede de concessionárias Mercedes. Pouco depois, em 1993, dessa colaboração nasceu o Mercedes-Benz C 36 AMG, primeiro modelo co-desenvolvido oficialmente entre as duas empresas e vendido sob a chancela direta da Mercedes. O C36 AMG, uma versão de alto desempenho do Classe C W202 com motor de 6 cilindros preparado, marcou o início da linha AMG como parte do portfólio oficial da marca. Esse sedã esportivo foi bem recebido e tornou-se um best-seller, com cerca de 5 mil unidades vendidas – números expressivos para um modelo de nicho. A partir daí, praticamente cada classe de veículos da Mercedes passou a ganhar sua derivação AMG, dos sedãs médios aos cupês e SUVs, consolidando a parceria ao longo da década de 1990.
Aquisição Parcial (1999) e Compra Total pela Daimler (2005)
Diante do sucesso da parceria, a relação entre Mercedes-Benz e AMG estreitou-se também no campo corporativo. Em 1999, a recém-formada DaimlerChrysler AG (resultado da fusão da Daimler-Benz com a Chrysler) adquiriu participação majoritária na AMG, incorporando a preparadora em sua estrutura organizacional. Esse movimento estratégico transformou a AMG de uma empresa independente em uma divisão sob controle da Daimler – embora ainda mantendo significativa autonomia técnica para desenvolver motores e veículos especiais. O fundador Hans Werner Aufrecht vendeu parte de suas ações, e as atividades de automobilismo de fábrica da AMG (como os programas de DTM) foram desmembradas para uma nova empresa independente, a HWA AG, de modo que a DaimlerChrysler ficasse focada nos produtos de rua.
Poucos anos depois, em 2005, a DaimlerChrysler (posteriormente Daimler AG) concluiu a compra total da AMG, adquirindo 100% das ações. A partir de então, a empresa passou a se chamar Mercedes-AMG GmbH, tornando-se uma subsidiária integral da Daimler. Esse passo final marcou a integração completa da AMG dentro do universo Mercedes-Benz. Aufrecht deixou definitivamente a companhia, e a Mercedes-AMG passou a operar oficialmente como o braço de veículos de alta performance do grupo. Na prática, isso significou que todos os futuros modelos e operações AMG estariam totalmente alinhados à estratégia global da Mercedes-Benz, com recursos ampliados para desenvolvimento e acesso direto às tecnologias da marca-mãe.
AMG como Divisão Oficial de Performance (Pós-2005)
Após 2005, a AMG consolidou-se como a divisão de alta performance oficial da Mercedes-Benz, comparável ao que é a BMW M para a BMW ou a divisão RS para a Audi. Em vez de atuar apenas como preparadora terceirizada, a AMG passou a estar envolvida já nas fases iniciais de projeto de diversos modelos Mercedes, desenvolvendo motorização, chassis e tecnologias voltadas à performance. A marca adotou oficialmente o nome Mercedes-AMG para seus produtos, sinalizando a união das identidades: os carros de alto desempenho trazem hoje em sua designação a grife Mercedes-AMG (por exemplo, Mercedes-AMG C 63), reforçando que se trata de produtos oficiais de fábrica. A estratégia de branding evoluiu para dar à AMG uma imagem de marca própria dentro do grupo – com logotipo, cores e até concessionárias dedicadas (AMG Performance Centers) em diversos países. Essa evolução permitiu à Mercedes atender tanto aos puristas por performance quanto atrair novos clientes, sem perder a exclusividade associada às três letras AMG.
Do ponto de vista de produção, a integração manteve tradições que preservam o DNA artesanal e esportivo da AMG. Em Affalterbach (Alemanha), sede da Mercedes-AMG, os motores mais exclusivos continuam a ser montados à mão por um único técnico, segundo a filosofia “um homem, um motor”, e cada propulsor V8 montado recebe uma placa assinada pelo engenheiro responsável. Ao mesmo tempo, a estrutura Mercedes-Benz forneceu escala e tecnologia para ampliar a oferta. Novas séries de modelos AMG de entrada foram introduzidas – como a linha de motores “43” e “53” lançada em 2014, com motores menores e sobrealimentados – visando alcançar um público maior com produtos de performance mais acessíveis. Em paralelo, o topo da gama foi expandido com superesportivos e séries especiais (como os AMG Black Series e os hiper-carros do projeto One, com tecnologia de Fórmula 1). No mercado, a AMG deixou de ser apenas uma preparadora de nicho e se tornou uma submarca de desempenho da Mercedes, presente em praticamente todas as categorias de veículos, de hatchbacks a SUVs. Em 2022, por exemplo, a linha Mercedes-AMG oferecia mais de 50 versões diferentes globalmente (12 delas disponíveis no Brasil), cobrindo desde modelos com cerca de 300 cv até máquinas acima de 600 cv. Essa diversificação faz parte da estratégia de mercado para atender a diversos perfis de cliente – do entusiasta que busca um esportivo para uso diário até o comprador de carros exóticos de altíssima performance.
Modelos Icônicos e Impacto no Portfólio Mercedes-AMG
A plena integração da AMG ao grupo Daimler resultou em uma safra de modelos icônicos que levaram a Mercedes-Benz a novos patamares de desempenho e prestígio. Um dos marcos foi o lançamento do Mercedes-Benz SLS AMG em 2009, o primeiro carro de produção inteiramente desenvolvido pela Mercedes-AMG do zero. Este cupê de dois lugares, com motor V8 6.3 de 571 cv e as distintivas portas “asas de gaivota”, homenageava o clássico 300 SL dos anos 1950 e mostrou ao mundo que a AMG podia criar não apenas versões modificadas, mas automóveis exclusivos de classe mundial.
O Mercedes-Benz SLS AMG (2009) – primeiro modelo desenvolvido do zero pela AMG – tornou-se um ícone moderno com suas portas asa de gaivota que remetem ao lendário 300 SL, simbolizando a entrada definitiva da AMG no seleto clube dos supercarros. Aclamado pelo design e performance, o SLS AMG reforçou a imagem da Mercedes-AMG como fabricante de esportivos de elite, competindo lado a lado com máquinas de marcas como Ferrari e Porsche.
Em 2014, a divisão deu sequência a esse feito com o Mercedes-AMG GT, segunda geração de esportivos próprios da marca de performance. O AMG GT foi concebido para ser um cupê esportivo mais compacto e utilizável no dia a dia, rival direto do Porsche 911. Posteriormente, derivou dele o AMG GT 4-Door Coupé (GT 4 Portas), lançado em 2018, expandindo a família para incluir um sedã coupé de altíssimo desempenho. Assim, a AMG passou a atuar também em segmentos novos, ofertando não só versões vitaminadas de modelos convencionais, mas também modelos exclusivos da marca AMG.
No campo dos sedãs e modelos de linha, a integração permitiu upgrades antes inimagináveis. A Classe C é um exemplo: partindo do C 36 AMG nos anos 90, evoluiu para o C 63 AMG em 2008, quando a AMG conseguiu instalar um enorme motor V8 de 6,2 litros em um sedã compacto. O Mercedes-AMG C 63 rapidamente se tornou referência entre os “sedãs médios esportivos” pela combinação de luxo e desempenho bruto (superando 450 cv nas versões aspiradas e chegando perto de 510 cv nas versões turbo posteriores). Da mesma forma, modelos maiores como E 63 AMG e S 63 AMG redefiniram o conceito de sedã executivo rápido, enquanto SUVs AMG (como G 63, ML 63/GLS 63) provaram que era possível ter performance de esportivo em carrocerias utilitárias. Em segmentos menores, a Mercedes-AMG lançou compactos ferozes como o A 45 AMG, cujo motor 2.0 turbo de 4 cilindros tornou-se o mais potente do mundo em sua categoria com 421 cv.
Ao longo desse período, a estratégia de mercado da Mercedes-AMG combinou edição de modelos especiais e participação ativa no automobilismo para promover a marca. Versões exclusivas como as de etiqueta “Black Series” oferecem desempenho de pista em carros de rua, gerando halo positivo para toda a linha AMG. A presença intensa nas competições – seja nas categorias de GT3/GT4 com modelos como SLS AMG GT3 e AMG GT3, ou na Fórmula 1, onde a AMG fornece desde 1996 o Safety Car e, mais recentemente, motores campeões mundiais – reforça a conexão entre os carros de rua AMG e a herança de corrida. Essa sinergia entre pistas e estrada contribui para o desenvolvimento tecnológico (freios, suspensão, aerodinâmica) que acaba incorporado nos modelos de produção.
Em resumo, a incorporação da AMG pela Mercedes-Benz transformou uma pequena oficina de entusiastas em uma divisão de alta performance globalmente reconhecida. Hoje, a Mercedes-AMG une o melhor de dois mundos: a tradição e excelência de engenharia da Mercedes-Benz com o espírito “Driving Performance” da AMG, resultando em veículos que elevam os padrões de potência, exclusividade e paixão automotiva. O impacto dessa integração é evidente em cada Mercedes-AMG que sai de Affalterbach – do ronco inconfundível de um V8 artesanal ao refinamento presente até nos mínimos detalhes –, todos carregando consigo décadas de história, inovação e a busca incessante pelo desempenho superior.